Por Cristina Amaro
Preciso de escrever. As palavras escritas sempre foram um bálsamo para as minhas dores. E nos últimos tempos tenho vindo a acumular várias.
As emocionais são as que doem mais. Sempre ouvi dizer. E é verdade. Talvez porque nem nós próprios as vemos para as compreender melhor. Apenas sentimos. Tantas vezes sozinhos. Tantas outras disfarçadas em sorrisos que não podemos deixar de colocar no rosto, mesmo sem nos apetecer.
Desde que me tornei cuidadora da minha mãe que me questiono: “quem cuida dos cuidadores?”. Quem cuida das dores físicas e emocionais que ficam quando os desafios que a vida nos dá nos obrigam a mergulhar em noites frias e dias cinzentos? Tantas vezes demorados.
Hoje pergunto também: “quem cuida dos inspiradores?” Quem cuida das pessoas que são inspiradoras para outras, pelo seu trabalho, pelos seus gestos, pelo seu estilo de vida… quem inspira quem inspira outros?
Não escondo que esta fase de separação, em que a vejo sair do conforto da sua casa – onde nós cuidávamos dela – para uma outra casa, onde outras mãos cuidam de quem amamos, me está a custar. Muito. Muito mais do que esperava, mesmo sabendo que ia ser difícil. Por isso preciso de escrever.
Decidi falar desta dor não só para me libertar, mas também para a “partilhar” com tantas pessoas que estão a passar por um momento semelhante. E para agradecer, também, as centenas largas de mensagens que me têm feito chegar. Vindas de quem conheço e está comigo nesta fase difícil que estou a viver, e de quem apenas me conhece publicamente.
Obrigada. Obrigada a todos pelo carinho. Pela partilha de tantas histórias pessoais semelhantes. Obrigada por abrirem comigo o vosso coração e por me confiarem a vossa vida privada. A ti, Ricardo Diniz, obrigada pelo teu vídeo que me sensibilizou e que me apetece partilhar (autorizado, como seria natural).
Sabemos bem o quanto temos lutado para que as nossas histórias de envelhecimento dos nossos pais sejam diferentes. Temos, sim, e como bem dizes, muitas vitórias! Temo-los connosco. É uma verdade. E eles têm-nos a nós. Inquestionável. Eu própria o escrevia nos comentários do post que partilhei no dia 1 de dezembro, dia em que ela foi para a Residência Domus Plátano. É verdade que os temos connosco, mas prefiro não pensar se eles querem mesmo cá estar…
Todos e cada um de vocês têm sido parte da minha força e da minha inspiração. Somos energia, sim. E é a nossa energia, junta, que nos ajuda a superar os momentos menos bons. Desculpem não responder pessoalmente como merecem, mas confesso que não tenho energia para o fazer neste momento. Considerem este texto o meu agradecimento.
Sinto-me uma filha abençoada por ter a melhor mãe do mundo. A mulher que me ensinou a ser quem sou. Sei que também contribuí para ela ser quem é, em especial por ter tido a oportunidade de viver a vida mais feliz que viveu nos últimos anos. A demência puxou-nos o tapete e virou tudo ao contrário quando a nossa luta era por um final feliz. Deus saberá porquê e para quê.
Eu aceito. Já aceitei. Nada mais posso fazer a não ser o que estou a fazer. O que estamos todos, a nossa família. Mas custa. Dói a alma. Doi o peito. Doem os olhos de tanto chorarem…
Preciso do meu tempo para me recuperar. Preciso de me reencontrar nesta nova fase da minha vida. Preciso de mudanças. De outras coisas que me façam olhar para a frente e em frente. Que me ajudem a libertar desta dor. Preciso de perceber quem sou eu agora… agora que a sua casa já não a tem lá dentro. Agora que está cá, mas não está. Agora que se ouve tanto o seu silêncio. Caraças! Que saudades tenho eu da sua voz…
Dizem-me que sou uma inspiração por continuar a partilhar a forma como sempre amei e cuidei da minha mãe. Pelo trabalho que faço. Pelo amor que tenho pelo meu cão, pelas minhas pessoas. É bom saber isso. Mas há momentos em que não sabemos onde ir buscar forças para continuar a inspirar os outros quando somos nós que precisamos de inspiração.
Irei encontrá-la. Irei encontrar-me a mim mesma nesta nova condição. Sei que é a vida a acontecer e que tenho de a aceitar. Orgulhosa do que fiz, do que continuo a fazer.
Só peço a Deus que não lhe traga mais dor. Que não nos traga mais dor…
Que sejamos fortes, todos os que estamos a viver estes momentos difíceis com os nossos queridos pais. Que saibamos honrá-los como eles merecem e que tenhamos capacidade de levar a vida para a frente como sabemos ser necessário. Sabemos todos que deveria ser isso que eles quereriam.