Por Cristina Amaro
Há dias conduzia pela Marginal para um compromisso em Cascais e perguntava-me como devemos nós aceitar o envelhecimento de quem mais amamos. Estava pouco trânsito. Era cedo. Vinha de casa onde deixei a minha mãe com mais uma crise de dor aguda. Daquelas que lhe dói a ela e me dói a mim! Caiu-me uma lágrima pelo rosto. Não a consegui conter apesar de estar a conduzir. Pensei para comigo, mais uma vez, como vou conseguir aceitar que, a partir de uma certa idade, as pessoas mais velhas têm mais dores, menos capacidades, mais dificuldades em andar, em fazer, em ir, em participar…em simplesmente estar.
É duro vermos os nossos pais a partirem. É duro perdermos, aos poucos, as nossas referências de infância, os nossos pilares, os amigos de toda a vida. Aqueles que verdadeiramente nos querem bem, que tudo fazem pela nossa felicidade.
O que podemos nós fazer para aceitar esta realidade? Todos dizem – e com razão – que nunca estamos preparados. Mas sabemos que é uma inevitabilidade. E, na verdade, antes nós os perdermos a eles que eles a nós. Seguramente que essa dor é muito mais difícil de suportar. É o chamado movimento contranatura.
Foi aí, nesse momento de introspeção, ao longo de uma das estradas que mais gosto de fazer a conduzir, que nasceu este sentimento: aceitar a fragilidade do envelhecimento da minha mãe só vai ser possível transformando a dor em amor. E isso eu já faço. E isso eu consigo continuar a fazer. Dar-lhe amor. E talvez isso seja mesmo o que agora me compete dar mais.
A pessoa que mais amo na minha vida está a envelhecer. Muito, aos meus olhos. Muito depressa, para o meu coração. Mas que posso fazer eu mais para contrariar isso quando já lhe dou tudo o que está ao meu alcance em cuidados de saúde, em conforto, em apoio permanente? Talvez nada mais a não ser segurar a sua mão quando precisa. Dar o meu tempo sempre que possível. Cantar-lhe as músicas do seu tempo para que ela cante comigo. Estando sempre, a cada momento, integralmente naquele momento.
Ser cuidador é, para uns, uma obrigação. Para outros, uma escolha. É um tema atual que tem enchido páginas de jornais e levado a horas de discussão política. É um tema que merece reflexão por ser um problema social e, sem dúvida, necessário adaptar à vida de hoje. A lei tem de ser justa e as políticas governamentais têm de apoiar as famílias que precisam de aplicar tempo para cuidar dos seus.
Não vou trazer para aqui essas questões, mas gostava de deixar a minha experiência e reflexão. Porque sei que não estou só. Porque sei que tantas pessoas vivem verdadeiros dramas familiares.
Eu escolhi ser cuidadora da minha mãe. Foi uma opção que fiz pelo amor que lhe tenho. Toda a vida dela foi vivida em função da família e não é por obrigação que hoje quero tê-la comigo nesta fase da sua vida, mas sim porque ela merece que eu faça tudo pelo seu conforto. Sei que sou especial nos seus cuidados. Todos me dizem o mesmo e eu gosto de saber que faço diferença. Mas sou especial simplesmente porque decidi transformar o sofrimento que me causa (vê-la ficar cada vez mais frágil) num conjunto de gestos que lhe dão vida! Que a fazem sorrir. Cantar. Brincar. Muitas vezes, não desistir…
Faço o que o meu coração manda. Não sou perfeita e tenho uma vida que me rouba tempo. Tempo que podia ter para estar mais com ela. Mas há que aceitar a vida como é e tirar o máximo partido do que podemos fazer e dar a cada momento.
Há gestos simples que estão ao nosso alcance e que fazem toda a diferença para eles. Por exemplo, eu nunca saio de casa sem lhe dar uns miminhos especiais. Sem a acordar com beijinhos, sem fazer uma brincadeira. Por vezes, ela responde com uma cantiga inventada, o que me faz transbordar o coração de alegria. Outras, diz apenas que tem algo que a faz sentir-se menos bem. Em qualquer um dos dois, eu sei que só o meu estar ali ao acordar a fazem sentir melhor. O mesmo acontece à noite. Nunca a deixo ir dormir sem lhe desejar uma boa noite. Acaricio o seu cabelo, dou-lhe a minha mão. Ela, quase sempre, agradece com um “obrigada por tudo, filha”.
A minha mãe é uma mãe especial. Sofrida. Muito sofrida com a sua história de vida que mais parece um filme. Mulher de outros tempos em que as mulheres se subjugavam a muitas limitações e acabavam a viver vidas que não desejavam que fossem as delas. A minha entregou a vida que tinha para cuidar dos filhos. Como posso hoje não fazer tudo por ela? É minha escolha fazê-lo porque é minha escolha amá-la a cada momento.
É fácil ser cuidador? Não. Não é. Mas é, para mim, o conforto do meu coração e para ela o conforto do seu.
O amor é o melhor que lhes podemos dar. A par da companhia. Da alegria. E naturalmente de todos os cuidados especiais de que precisam.
Eles não desejam mais. Nós não podemos fazer mais. A não ser transformar a dor em amor. A deles. A nossa. É isso que é, para mim, ser cuidador. Um transformador de dor.