Por Cristina Amaro
Por vezes, fico a olhar o horizonte e a agradecer a Deus por estar viva. Das centenas de vídeos que me têm passado pelas mãos nestas correntes digitais, houve um que me fez rir e que todas as manhãs me faz brincar com a minha mãe, que dizia algo do género: “se de manhã estiveres vivo, belisca-te e sorri”.
Se pararmos para pensar nesta crise gigante que está a chegar à nossa vida (imagino somente uma guerra mundial faria parar o mundo desta forma), há pelo menos uma coisa que temos: estamos em emergência, mas temos as nossas casas inteiras. De pé. Temos as nossas nações inteiras. De pé. Temos o nosso património histórico inteiro. De pé! Estamos em casa, quentinhos nos dias mais frios. Confortáveis, apesar de tudo. No meu caso, que muito agradeço, com todas as pessoas que fazem parte da minha vida de boa saúde e em segurança. Temos comida na mesa. Tudo o que precisamos dentro de casa ou entregue à porta.
De que nos queixamos? De que nos queixávamos antes?
Vai ser duro? Vai! Nada vai voltar a ser o que era. Mas se o vírus maldito falasse que nos diria ele sobre o passado e o futuro e, essencialmente, sobre o presente?
Não estaríamos nós a dar pouco valor ao que verdadeiramente importa? Talvez possamos começar pelo facto de estarmos vivos. Pelo sorriso de quem amamos. Pela paz que nos envolve. A comida que não nos falta. A educação também.
Não estaria o mundo a ficar demasiado fútil? Não estaria o mundo a olhar apenas para os carros de luxo, para a coleção viagens, para os passeios de barco para mostrar ao vizinho, pelos restaurantes mais “in” e “super trendy” ou para looks mais fashion?!
Se há coisas boas que a tecnologia nos trouxe – uma delas estarmos ligados ao mundo a todo o momento – há outras que já precisavam de um abanão. Viver para o show off não é seguramente algo relevante e verdadeiramente importante para a vida das pessoas. Dar mais importância à forma do que ao conteúdo é algo que a mim não me fascina. Nunca me fascinou. Também, por isso, decidi partilhar esta reflexão.
Vivermos para mostrarmos o que fazemos, com quem nos relacionamos, onde vamos. Em vez de olharmos nos olhos de quem amamos, tocarmos na sua pele todos os dias de manhã ou deixarmos apenas na nossa memória os momentos mais especiais. Não faria isso mais sentido?
Se o vírus falasse, não nos diria ele que gostava de que cuidássemos melhor do planeta, que olhássemos mais pelas pessoas, que respeitássemos mais o que sentimos (eu e o outro), que mergulhássemos mais dentro de nós para nos descobrirmos, em vez de querermos descobrir o mundo inteiro?
E estará o mundo a aprender alguma coisa ou apenas preocupado com os diretos nas redes sociais? Estará o mundo disponível para um encontro consigo mesmo? Haverá vontade de o fazer?
Acabámos de celebrar a Páscoa. Uma época de renascimento. Momento de reflexão. Se o vírus pudesse falar e nós tivéssemos a capacidade de o ouvir, talvez ele só quisesse mesmo dar-nos um enorme estalo para acordarmos para a vida. Tínhamos tudo mas queríamos mais. Sempre mais…
Já que as restrições se intensificaram e nem do concelho pudemos sair, espero que esse momento tenha servido para refletir um pouco na nossa vida. Para valorizarmos o que perdermos. Para viajarmos dentro de nós.
Procurem o silêncio e ouçam a vossa voz interior. Encontrem-se a vocês mesmos. Passem tempo convosco. A sós.
Que esta época possa servir para nos reencontrarmos. Dentro das nossas casas e das nossas pessoas. As de casa e as de fora, mas que são nossas também. Que esta época sirva para nos encontrarmos connosco. Com o nosso coração e com os nossos sentimentos. Que a Páscoa em isolamento nos permita perceber que o mais importante é estarmos vivos e termos em pé tudo o que nós construímos e o que os nossos pais e avós nos deixaram. Que sirva para respeitarmos mais os outros. Pensarmos mais no que somos do que no que temos ou fazemos. Pensarmos que o mais importante é partilhar. E a partilha começa mesmo pela vida.
Partilhemos a vida. O que iremos perder com esta crise que possamos ganhar em sentimentos e ações. Em gestos e palavras. Em amor. Por nós e pelos outros.
Se o vírus falasse talvez nos dissesse somente para vivermos mais em modo slow life do que em ritmo acelerado.
Só receio que no fim de tudo isto as pessoas queiram viver ainda mais depressa para recuperar o tempo que consideram perdido, em vez de o estarem a aproveitar para encontrarem o seu propósito na vida. Não fará mais sentido para todos nós? Não terá a vida algo mais do que somente o que se vê e se sente?
Para mim tem. Seguramente que tem.