Cristina Amaro
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Um objetivo jamais terá a capacidade de substituir a vida 

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A vida

Um objetivo jamais terá a capacidade de substituir a vida 

Opinião: Um objetivo jamais terá a capacidade de substituir a vida 

César Ferreira, Mentor de Autores

Sei que estas são as tuas flores favoritas e, por isso, aqui estão elas. Tive o cuidado de colhê-las bem cedo, antes de vir ter contigo. Acredito que as flores, quando se espreguiçam com o nascer do dia, transportam consigo o seu irrevogável fulgor. Espero que gostes. São do meu jardim.

Não há dia em que não queira estar contigo. Pelo teu sorriso, por o quanto me fazes crescer e pelas frases cativantes que me diriges, mesmo quando tudo parece querer recolher-se para a sombra do momento. Gosto de ti, assim: Divertido, humilde, determinado, positivo.

Desde que iniciei a caminhada para vir ter contigo, tentei organizar todas as novidades para te contar. Mas, desde que estás nesse local tão longínquo, temo que não há nada que valha a pena comunicar.

Então, resolvi recordar todos os objetivos que me contaste. Desde a casa na praia à viagem ao Equador, vivias cada segundo com a pressa e a obsessão de os concretizar. Toda a tua energia era colocada ao serviço dessas métricas que insistiam em permanecer firmes tal qual uma rocha num mar revolto.

É curioso como, para realizar um objetivo, nos podemos esquecer de coisas tão importantes como o autocuidado, os valores, e até as pessoas que sempre nos apoiaram. Por um lado, ambicionamos que os mesmos sejam atingidos para que também possamos incluir quem mais gostamos; por outro, esquecemo-nos, facilmente, delas, assumindo de antemão que estarão sempre lá para nós.

Foi assim que te afastaste de ti, de mim, dos teus filhos, da realidade.

Bem me recordo de ver no teu olhar a garra dos guerreiros em que tudo só podia ser vitória. A tua agressividade até me fascinava, exceto agora quando acordo e o teu lado da cama continua por aquecer. 

Despertavas bem cedo para reforçar a tua estratégia, entre papéis e telefonemas lá arranjavas uma maneira de perceber qual seria o próximo passo, o café mantinha-te acordado durante noites a fio, apenas para que todos os teus objetivos fossem atingidos.

Sei que tomaste más decisões ao longo da tua vida. Tu próprio o soletravas enquanto nos abraçávamos na noite que sobrava. Dizias-me isso com o teu corpo encolhido e como que a rigidez da existência te estivesse a cobrar. Sei que sempre pensaste que conseguir o quer que seja era mais importante do que colocar os filhos numa situação inferior à que tinham. Era por isto que lutavas: para que o tudo e a fantasia jamais faltassem. No fim, nada restou de ti.

Todo o teu excesso de trabalho, incluindo aquele que tu próprio inventavas;

O desvio da atenção do fundamental;

As correrias infindáveis para purificar os pecados cometidos em momentos de falta de lucidez;

A carência dos momentos de amor-próprio;

A ansiedade excessiva de todos os dias;

As faltas de comparência nos aniversários dos teus filhos;

A ausência do teu corpo pingado de suor junto ao meu;

As promessas que fizeste de que a tua correria iria terminar em breve.

Tudo isto agora está contigo, aí, nessa cova em que adormeceste para todos os dias.

Se te pudesse dizer, pessoalmente, algo hoje, dizia-te que continuo com saudades tuas. Que ainda não recuperei da tua partida. Que te preferia ter aqui, comigo, mesmo com objetivos por realizar.

Sei que, por vezes, te sentias sozinho e escasso. Mas, a verdade, é que sempre estivemos aqui, para ti. A aguardar a tua chegada tardia, na esperança de te termos um mínimo que seja. E mesmo que adormecesses no sofá, isso era para nós uma forma de te sentir. Tínhamos saudades tuas. Imensas. Desmedidas. Por isso, esperávamos-te. Sempre. 

Acredito que, se tivesses abrandado e conseguisses reparar em ti com respeito, tudo seria diferente. Mas, enfim, agora não há nada a fazer. Demoras aqui, neste buraco que te irá decompor sem humildade e leveza.

Milhões de pessoas em todo o mundo consideram que os objetivos se sobrepõem à própria vida e que vale tudo para se ter razão. Cada uma tem a sua história pessoal e, certamente, que faz o melhor que sabe.

Vendo bem, esta história pode ser a sua. A narrativa em que corre como um louco para deixar de se sentir perdido. Porém, será que vale a pena trocar um pouco de vida que seja por uma história mal contada?

Creio que há sempre uma maneira de se atingir um objetivo sem perder quem somos e o que já temos. Um objetivo jamais terá a capacidade de substituir a vida. Pelo contrário, esta alimenta-o. Portanto, seja meigo consigo, respeite-se e, acima de tudo, observe o que tem à sua volta. 

Se tiver de receber flores, que seja para as cheirar e apreciar. Isso. Apenas. 

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