Todas as dimensões das nossas vidas estão a ser transformadas pelas novas tecnologias – desde a forma como compramos roupa até à maneira como interagimos com o nosso banco: a experiência é fácil, flui naturalmente e os serviços que recebemos são cada vez mais personalizados para os nossos interesses e gostos pessoais. Porque é que não temos uma experiência semelhante quando interagimos com o Estado? Na esfera pública, a história já não é a mesma – as burocracias e a falta de incentivos para a inovação dentro das instituições públicas fazem com que os serviços que o Estado nos presta sejam, em muitos casos, lentos e pouco eficazes.
No entanto, é de notar os esforços do Estado português nos últimos anos em digitalizar alguns dos seus serviços, como, por exemplo, a criação do Portal do Cidadão. No entanto, acredito que esta transformação digital pode ir muito mais além, permitindo otimizar e automatizar diversos outros processos. As prioridades dos Governos devem focar-se em explorar a melhor tecnologia disponível para distribuir serviços públicos de alta qualidade, desde o SNS aos sistemas de transporte público, passando pela Educação. Isto trará vantagens indiscutíveis a todos os cidadãos portugueses, não só em termos de experiência mas também ao nível da confiança. Além disso, dará oportunidade a todos os funcionários públicos de se focarem em projetos mais desafiantes e impactantes, deixando para trás as tarefas automatizadas – o que, mais uma vez, nos permite melhorar todo o sistema de serviço público, tornando-o mais humano (com tecnologia!).
A História mostra-nos que é possível que os serviços antigos, como a Banca, sejam transformados pelas novas tecnologias (neste caso, FinTech). Assim, o Governo e a esfera pública têm a oportunidade de ser a próxima área a ser transformada pelo GovTech. Todo o ecossistema de inovação – startups, grandes empresas, o Governo e os cidadãos – deve colaborar para encontrar sinergias entre o setor público e o privado, de forma a prestar os melhores serviços aos cidadãos e a melhorar as nossas práticas democráticas.
Pode parecer contraintuitivo, mas a realidade é que os pequenos empreendedores são muitas vezes aqueles com ideias para resolver os grandes problemas. Um sistema de colaboração entre o Estado e startups iria beneficiar todos os cidadãos. Por exemplo, o projeto myPolis, criado em Lisboa, tem como objetivo aproximar os cidadãos da sua comunidade e das autoridades locais através de uma app em que se pode votar e dar feedback – será este o futuro da democracia?
As novas tecnologias querem melhorar a relação entre os políticos e os eleitores, mas ao mesmo tempo, estão a pôr à prova as nossas democracias (como pudemos testemunhar no caso Cambridge Analytica). Cabe aos Estados e às organizações supranacionais regular este mercado e definir a direção de inovação, criando de uma forma inclusiva.
Citando Emmanuel Macron, devemos criar uma terceira forma de regular a inovação – não da forma chinesa nem da forma norte-americana, mas da forma europeia. Neste caso, a tecnologia é apenas uma ferramenta, e nós, indivíduos, temos a responsabilidade de a utilizar com cuidado para melhorar a nossa sociedade e transformar os serviços públicos. As nossas instituições e a nossa regulação têm de evoluir no mesmo sentido e à mesma velocidade que a inovação, de forma a beneficiar toda a população. Ao envolver os cidadãos nas tomadas de decisão públicas ao longo de todo o processo democrático – além das eleições –, permitir-se-á ao Governo criar uma melhor relação de confiança com os seus eleitores.
A criação de novos partidos como o Aliança, em Portugal, deixa a esperança de um novo liberalismo social em que o empreendedorismo e a criação de valor na economia nacional se juntam às preocupações sociais. Caminhamos para um sistema político que finalmente estende a mão a todos os eleitores, incluindo os tão difíceis de alcançar Millennials. Nós, jovens muitas vezes incompreendidos, interagimos com o mundo à nossa volta através das novas tecnologias. Assim, um partido político sem sede física e que visa criar uma comunidade online parece-me uma forma inovadora e muito aliciante de interagir connosco (e de nos ouvir) – tanto quanto sei, um exemplo único. A intenção de incluir o cidadão no centro da elaboração de políticas como processo de cocriação do Estado com os indivíduos está a transformar o cenário democrático no nosso país.
Esta nova geração quer mudar o mundo, quer ter impacto – da mesma maneira que as tecnologias tiveram – e acredito que um Estado que vê a tecnologia como um meio de o fazer pode apresentar uma solução que faça Portugal avançar. Talvez vejamos o fim do Estado paternalista e a criação de um País onde a meritocracia reina e as decisões políticas vão para além dos interesses das elites.
Maria Francisca Jorge é estudante de gestão na The London School of Economics and Political Science (LSE).