Depois do abanão que levei da vida no início deste ano, recebi uma enorme quantidade de mensagens privadas e públicas, e-mails e telefonemas. Contactos de diversas pessoas. Umas que conheço pessoalmente, outras que me conhecem a mim do écran e que seguem o meu trabalho. Todas elas de apoio. Todas elas de agradecimento pela partilha. Umas tantas de pessoas que se identificraram com o que escrevi, com o que vivi, com o que senti…algumas outras que quiseram partilhar comigo o que aconteceu na vida delas.
A Joana Andrade Nunes foi uma das pessoas que me fez chegar um texto que vale a pena eu partilhar convosco. Para que não esqueçamos que estas coisas não acontecem apenas aos outros. Para que eu própria não me esqueça nunca que a vida precisa de ser vivida de outra forma. Com menos ansiedade…
Partilho convosco a história da Joana, uma beirã de alma e coração que, tal como eu, foi obrigada a parar. Obrigada a parar pela maior e mais importante autoridade de todas: a VIDA!
Na teia do nosso sucesso
Dia 5 de julho de 2011. Depois de (mais) uma direta de trabalho árduo para preparar as provas orais de melhoria de final de semestre – a que, obviamente, me iria apresentar nas próximas semanas – a corrida matinal diária – “para esticar as pernas antes de ir fechar os olhos por breves minutos” – obriga-me a uma visita às urgências do hospital distrital com suspeita de paragem de digestão.
“Beber um café, em jejum, e comer uma fatia de pão torrado, depois de uma longa noite de estudo e de um esforço físico considerável sem ter dormido uma noite repousante é, simplesmente, suicida… e estúpido! Como é que alguém inteligente como a menina me aparece assim aqui? Vá para casa, durma e não volte a correr sem comer depois de uma direta em volta dos livros. A vida não é um sprint… é uma maratona e ganha quem chega ao final. ”
Foi este o conselho do médico que me atendeu mas que, na altura, simplesmente ignorei.
Admitindo que tinha sido pouco inteligente ir correr ao sol, numa manhã de pleno verão, praticamente com o estômago vazio de depois de mais uma direta a estudar, convenci-me ter sido apenas um episódio isolado já que, nas últimas semanas, já tinha tido “a mesma rotina” várias vezes sem consequências.
Nos dias seguintes, do nada, comecei a não conseguir suportar a luz do dia; as tonturas dentro de espaços amplos (centros comerciais, hipermercados) e uma estranha sensação de desmaio apoderaram-se de mim em poucos segundos.
“Não tenho tempo para estar cansada; as inúmeras orais de melhoria que se seguirão nos próximos dias precisam de mim focada e a 200%. Ainda é possível terminar o curso com média final de 18 valores!” – tentava convencer-me, interiormente, da minha árdua – e irracional – perspectiva de vida.
Felizmente, o meu marido (namorado à data), os meus pais e o meu irmão conseguiram chamar-me à razão e, relembrando-me a anemia que tinha tido no 3.º ano do curso de Direito e os episódios de tonturas nas últimas semanas, reforçaram que a minha recusa em parar poderia levar-me a um caminho perigoso… e não…não estava a 200%, nem a 100% mas sim a precisar de parar, de descansar e de refletir o que queria fazer da minha vida.
Decidi ouvir os sábios conselhos e, admitindo que terminar o curso com média final de 17 valores, no top 4 do ranking da melhor Faculdade de Direito do país, seria, igualmente, meritório, acabei por não realizar nenhuma prova oral de melhoria e ter umas semanas de descanso antes de começar um novo desafio profissional.
Beirã de alma e coração, com espírito de trabalho árduo e determinação a correr-me, genuinamente, nas veias, a entrada na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (“Clássica”) com média de 19 valores garantiu-me “olhares de desconfiança”, nas primeiras semanas de aulas, num mundo em que o sucesso parecia estar reservado apenas a quem tinha tido uma educação de excelência, nos melhores colégios do país.
Senti-me, assim, desafiada a provar que uma beirã, filha do ensino público e fruto de turmas de secundário com uma disparidade cultural ímpar, também seria digna de ocupar tamanha distinção.
Ao longo dos 4 anos do curso, trabalhei intensamente para manter o meu propósito: foram inúmeras as noites sem dormir, as provas orais de melhoria de nota para garantir a melhor classificação possível em cada cadeira e um desafio à sanidade mental constante que, olhando para trás, apenas me apetece de rotular como “desnorte” – apesar de me ter presenteado, também, com os melhores amigos que algum dia poderei ter.
Sem dúvida que o trabalho árduo me garantiu o lugar de assistente convidada na Faculdade, o lugar num dos mais prestigiados escritórios de advocacia ibéricos e reconhecimento científico pela editora Wolters Kluwer o que, aos olhos exteriores, significaria um “futuro brilhante no mundo do Direito”. Seguiu-se o Mestrado Científico em Ciências Jurídico-Económicas, aprovado com distinção na mesma casa, e uma carreira de docente e advogada que, infelizmente, não me cativou. A questão colocava-se: “Não estaria presa na teia do meu próprio sucesso?”
Hoje, 8 anos depois, o meu percurso profissional está distante do mundo do Direito ao qual me dediquei, de alma e coração, durante praticamente 10 anos. A “carreira de sucesso” no mundo da advocacia e docência ficaram em pausa para me permitir ser FELIZ.
“Estou autorizada a cometer erros mas tenho a obrigação de aprender com cada um e de garantir que o mesmo será irrepetível”.
Agora, Senhora do meu próprio tempo, Mulher, Mãe de 2 filhos e fundadora de um projeto que preserva o melhor savoir-faire do nosso país, ao primeiro sinal de “desnorte” obrigo-me a parar; a escutar; a ter humildade para pedir ajuda e clareza mental para reconhecer que não sou auto suficiente; a colocar o telemóvel em modo de avião quando vou dormir; a correr na rua e reduzir as doses diárias de café; e, simplesmente, dizer aos meus filhos que são o meu maior tesouro.
Respirar. Escutar. Sentir.
A trilogia perfeita para SER FELIZ.
Lisboa, 8 de maio de 2019
Joana Andrade Nunes “