Cristina Amaro
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Mãe. Meu Amor Especial

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A vida

Mãe. Meu Amor Especial

Nasci à hora de almoço. Diz a minha mãe que não houve tempo para pôr luvas. Ninguém disponível para assistir quem estava a chegar ao mundo, quase correu mal e, em vez de ter sido colocada no seu colo, a sentirmos o calor e o cheiro uma da outra, fui levada para a incubadora. Negra. Em risco de não sobreviver. 

Pode parecer que ando em modo dramático mas não. Ando sim mais introspetiva. E este virar para o interior leva-me a ir buscar histórias mais profundas de quando em vez.

Hoje apetece-me escrever umas palavras sobre a minha mãe e sobre esta relação de amor especial que nos une. E dei comigo a juntar letras numa conjugação que nunca tinha feito: M, de mãe, também é M, de Minha. A é a primeira letra de Amor e E também começa a escrever a palavra Especial. Mãe escreve-se com as mesmas letras de “Meu Amor Especial”.

Nada pode retratar melhor a nossa união. E por isso decidi dar esse título a esta história. Uma Mulher que tem uma história de vida que não cabe num único texto. 

A minha mãe é especial não só por me ter dado o meu maior bem, a vida, mas é também por ser um ser humano maravilhoso. Hoje, dentro dos seus 81 anos, marcados por tantos episódios de tristeza, é uma pessoa mais carente e frágil, mas ao longo da sua vida sempre foi uma pessoa lutadora. Uma sobrevivente que toda a vida viveu para os outros. Para dar. Para cuidar. Hoje é ela que precisa que sejamos nós a cuidar dela.

É difícil aceitar o padrão de envelhecimento a que nós, filhos que escolhem cuidar dos pais junto deles, assistimos diariamente. Faz doer. Aperta o peito. Tira-nos o sono. Traz-nos tristeza ao assistirmos, impotentes, às suas dores e às perdas de capacidades. E embora saibamos que nada podemos fazer a não ser dar-lhes o melhor que lhes podemos dar, conforto, companhia, amor e cuidados especiais, por vezes é frustrante saber que damos tudo e que ainda assim não é suficiente.

Para a minha mãe, nada é mais importante do que ter por perto as pessoas em quem ela confia. Seja um ou uma cuidadora. Seja um amigo que a faça rir e a ponha bem disposta. Ou seja, a família que lhe dá a segurança que a idade tanto precisa de sentir. Quem toda a vida deu merece tanto receber… 

Companhia foi o que reservei para ela esta semana. Levei-a comigo ao Algarve não só para fazer algumas consultas e tratamentos que me parecem poder ajudar a reduzir as suas dores, como também para a fazer recordar a infância e os tempos em que corríamos o Algarve de lés a lés durante as férias de verão.

Nem que tenha sido por momentos curtos, porque a viagem já lhe custa fazer, valeu tanto a pena vê-la sorrir quando passámos junto à rua de Sto. António, em Faro, e ouvi-la dizer: “aos anos que não vinha aqui…está tudo tão diferente” ou “olha esta casa…esta casa é tão antiga….ainda me lembro de passar nesta rua quando ia a pé para o Patacão!”, pequena aldeia de um tio do seu padrasto que lhe traz muitas recordações. 

Recordou momentos felizes que ali viveu, durante o passeio de carro que fizemos com ela por algumas ruas da cidade que a viu crescer. “Será que ainda existe a Dione?”, perguntou, acrescentando outra pergunta dirigida à sua cuidadora principal, a quem carinhosamente chama Annie desde o primeiro dia (Rayane é o seu verdadeiro nome) e que nos acompanhou: “sabe o que é a Dione Annie? Era uma sapataria muito conhecida em Faro e foi o meu primeiro emprego” … e lá se perdeu nas histórias dos tempos em que era uma jovem bonita que chamava a atenção pelas curvas e feições de atriz de cinema.

Ainda pesquisámos na Internet não fosse a Dione ainda existir mas não encontrámos registos que nos levassem lá. Na verdade, não teve importância, porque só o facto dela ter recordado esses momentos já valeu ouro!!

Vivi tão intensamente os 3 dias com ela no Algarve que nem me lembrei de tirar fotografias. Vou guardar os momentos todos no meu coração. Junto a todos os outros de uma vida. Os bons e os menos bons, que infelizmente tem alguns que preferia que não existissem. Se há histórias de vida para contar, a da minha mãe merecia um livro…quem sabe se na minha reforma não o farei. Quando tiver tempo para dar tempo às palavras. Quando um dia a quiser perpetuar de outra forma. 

Para já, prefiro aproveitar cada momento que vivo com ela como se fosse o último. Dar-lhe o amor que ela merece, o tempo que o meu coração precisa para estar sereno, o carinho que lhe alimenta a alma e a faz ficar mais tranquila. E a mim também…mesmo quando os momentos de cansaço nos dão vontade de chorar…às vezes até de desistir…

Parto amanhã para a Tailândia, mas levo o coração apertado por deixa-la cá. Sei que faz parte. Sei que é mesmo assim. Sei que tenho de aceitar que o envelhecimento é incontornável na vida de todos nós, mas essa consciência não me retira a angústia do afastamento. 

Talvez venha do momento do meu nascimento. Talvez seja uma introspeção ainda mais profunda que precise de fazer. O que sei é que a minha mãe é mesmo o amor maior da minha vida e que vai estar comigo sempre e para sempre.

São para ela estas palavras. É também por ela que não posso deixar de cuidar de mim e de me inspirar para continuar a ter forças para tudo o que tenho em mãos. Só comigo bem, em primeiro lugar, lhe posso dar a ela o que tanto merece e desejo. Em poucas palavras: o meu amor e o meu sorriso. E só de ver o dela, o meu coração enche-se de alegria outra vez!… 

Não será dela o meu sorriso?

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