Fechada entre reuniões e gravações, assisti à partida de uma das maiores inspirações do mundo da moda sem tempo para fazer o que mais gosto: escrever. Escrever o que sinto, o que me vai na alma, sobre o que vejo e o que vivo. Liguei à Ana Gaboleiro, que coordena comigo este blogue, e disse-lhe: “Aninhas, escreve tu. Gostava de deixar uma homenagem ao Karl”. Ela escreveu. Não muito diferente do que eu faria. Não é um texto sobre a vida deste génio criativo. São apenas palavras sentidas que deixamos a quem tanto me inspirou. Apenas para dizer: Obrigada, Karl! Ficarás para sempre em nós.
Cristina Amaro
A indústria da moda perdeu um dos seus maiores e mais adorados ícones de sempre. Karl Lagerfeld partiu ontem aos 85 anos. Consigo deixou a irreverência, a criatividade, a mentalidade renascentista e ética de trabalho inigualável que muitos admiravam.
Criou coleções para as famosas casas Chanel e Fendi, além do seu selo homónimo. Na verdade, Karl era um inconstante insatisfeito. Queria mais, melhor, diferente…sempre, até aos seus últimos dias.
“É ótimo quando na vida fazemos algo que gostamos mesmo de fazer e nunca nos sentimos entediados. Eu não estou entediado de todo. Aliás, sinto-me ainda mais interessado em fazer coisas novas, mais hoje do que alguma vez senti”, dizia numa entrevista à Business of Fashion em 2014.
Mas o que foi um choque para muitos, adivinhava-se já entre os principais criativos do mundo da moda. Karl tinha falhado dois desfiles em Paris. O alerta de que algo poderia não estar bem.
Foi nos anos 80 que Alain Wertheimer, presidente executivo da Chanel, deu “carta branca” para que Karl pudesse reinventar a marca. Considerado por muitos como um “génio criativo, muito à frente do seu tempo”, conseguiu deixar o seu cunho na Casa, contribuindo para o sucesso que é hoje em todo o mundo.
Agora é a vez de Virginie Viard, diretora do estúdio de design da Chanel e colaboradora próxima de Lagerfeld por mais de 30 anos, assumir as rédeas criativas no negócio de moda da marca. Um plano de sucessão ainda não anunciando na Fendi.
Para Karl “projetar era respirar,” e a verdade é que nunca lhe faltou o ar no que toca à criatividade. Tornou os desfiles verdadeiros espetáculos de arte e desafiou a indústria ao importar, por exemplo, para a apresentação da coleção Outono 2010, gelo e neve suficiente da Suécia para criar um iceberg de 265 toneladas ou, até mais recentemente, para a Primavera de 2019 ter conseguido criar um cenário com uma praia artificial.
Queria que as suas roupas inspirassem os consumidores a sonhar. Uma mente inquieta, que não queria parar porque, para Lagerfeld, parar era morrer. E foi também por isso que colaborou com marcas de “fast fashion”, como a H&M, projetou quartos de hotel, jogos de computador, capacetes para motociclistas, um BMW e uma linha de cosméticos inspirada no seu famoso gato, Choupette, e ajudou ainda a criar uma campanha publicitária para os gelados Magnum.
Dizia que tinha “uma mente de Google”. Inspirava-se em pilhas de livros de história e biografias que decoravam as suas numerosas casas em Paris, Biarritz e Saint-Tropez, iPods carregados com vários tipos de música e coleções dignas de museu.
Presidentes das maiores marcas de moda, como Louis Vuitton, Christian Dior, Prada ou Armani, deixam agora a sua homenagem àquele que consideram ser o “criativo que ajudou a fazer de Paris a capital da moda do mundo”.
Karl deixou-nos aos 85 anos. Na capital da moda. Uma mente irreverente que souber deixar a sua marca na indústria da moda e para sempre ficará na história como um talento que, segundo as suas próprias palavras, “continua a abraçar o presente e a inventar o futuro”.