Cristina Amaro
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Há quanto tempo não deita a língua de fora?

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A vida

Há quanto tempo não deita a língua de fora?

Há quanto tempo não deita a língua de fora?

Esta foto foi tirada pelo meu marido durante um passeio de bicicleta que adoramos fazer em Tróia. Ele inspirou-se e escreveu estas palavras. Enviou-me por WhatsApp e hoje quando acordei tinha-as no telefone. Gostei tanto que decidi partilhar consigo.

Por Pedro Gouveia Alves

“Ai que prazer, não cumprir um dever, ter um livro para ler e não o fazer”. O início d’ A Liberdade de Fernando Pessoa, que já retratava a necessidade de nos libertarmos da ditadura do dever. Afinal, o Homem não foi feito para trabalhar, mas sim para criar, como defendia Agostinho da Silva. Certamente, as duas vão no sentido de retratar a rotina como contra natura, como algo que não serve os interesses do escasso  e maravilhoso bem que é a vida humana.

Recentemente, foram instalados em esquinas de ruas de bairros de Nova Iorque sacos de boxe para que os seus cidadãos possam descarregar a energia acumulada de rotinas, de frustrações diárias. Murros bem assentes ajudam a expelir a ira, que não faz falta dentro de nós. Uma forma simples e expedita de nos livrarmos do que não interessa.

A sabedoria popular formula um provérbio que manda “ao bem, buscá-lo. Ao mal, estorvá-lo”. Como que uma barreira invisível conseguíssemos erguer na mente para que os agressores do nosso “eu” fiquem à porta. Afinal, uma forma de nos protegermos de agressões à nossa vida, efémera e fugaz, mas nossa. Fazer isso, torna-nos mais valiosos, e receptivos a mensagens positivas. Mais saudáveis, e portanto com maior propensão a viver por inteiro.

Talvez não seja por acaso que a pimenta na língua era o remédio utilizado nas nossas infâncias quando lançávamos a ira sobre os outros com palavras impróprias, ou mesmo quando virávamos a cara com desdém e deitávamos a língua de fora. A pimenta não era mais do que a “correção” do excesso de displicência. O corretivo, portanto, de uma educação popular, rudimentar, mas eficaz.

Na idade adulta, a sociedade padronizada, o quotidiano carregado de non sense, de desgastantes presenças negativas apela à irreverência privada, que compense o saco cheio do que dispensamos.

Por isso, e para preservar o valioso “eu”, é muito importante que o faça: ponha a língua de fora. Levante-se do seu local de trabalho, ausente-se de uma conversa chata, e desloque-se aos lavabos. Olhe para o espelho e… deite a língua cá para fora com toda a energia que conseguir, preserve as papilas gustativas apenas para as coisas boas da vida.

Se não for para vazar o saco, que seja apenas porque sim. Porque apetece. E, por um instante, considere que deitar a língua de fora pode ser afinal um singelo gesto de amor.

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