A globalização – movimento que começou com os Grandes Descobrimentos no século XV e que se estende hoje num mundo capitalista neoliberal – tem contribuído para uma neutralização das diferenças culturais por partilharmos cada vez mais normas, valores e modos de vida. As fronteiras tornaram-se mais fluidas e a socialização entre povos levou a um maior contacto com outras religiões, línguas e formas de arte. Deste modo, muitos falam hoje de uma cultura global uniformizada em que relações sociais mais intensas induzem uma eliminação progressiva das diferenças culturais.
Esta tendência torna-se ainda relevante no caso dos jovens, emergidos numa cultura pop, de massa, internacional, que toca a todos os países. Graças à rápida propagação de informação e conhecimento, hoje em dia, um millennial na América vê as mesmas séries da Netflix, ouve as mesmas músicas no Spotify e partilha os mesmos hábitos de consumo na Amazon que um jovem no Reino Unido, em Portugal ou em Singapura. Vivemos efetivamente nesta “aldeia global” onde partilhamos experiências, ideais e convicções.
No entanto, esta noção de perda de identidade nacional e de anulação de culturas é discutível e frágil. É difícil falar de uma cultura global homogénea quando a base dos conceitos de cultura e identidade se encontra na alteridade e no desejo de diferenciação face ao outro. O confronto com a diversidade permite-nos definir quem somos, de onde vimos e para onde vamos.
Fukuyama fala de uma contradição inerente ao Homem – por um lado, queremos ser vistos como iguais, mas, por outro, procuramos um sentido de individualidade que se confronta, paradoxalmente, com a ideia de identidade coletiva. Assim, a própria globalização está a desencadear movimentos de diferenciação cultural e social.
Observamos que a identidade se encontra no centro da discussão política de hoje em dia, numa luta entre o individualismo e o comunitarismo. A esquerda foca-se na defesa da identidade das minorias, apoiando movimentos sociais como os LGBTQ+, “Black Lives Matter” ou #MeToo. No outro lado do espectro político, a direita sustém a identidade nacional e o desejo de se distanciar do sentido de comunidade, assim despoletando crises xenófobas, como o Brexit e a disseminação de discursos populistas na Europa e nos Estados Unidos da América.
Como podemos então assegurar-nos de que beneficiamos da partilha de culturas, todavia alimentando a nossa identidade nacional, sem eliminar as tendências individualistas e defendendo as minorias?
Para Fukuyama, a solução passa por criar identidades coletivas de inclusão, para que as políticas deixem de se focar nas identidades e comecem a construir-se à volta de liberdades e do funcionamento das economias.
Acredito também que um retorno ao passado proporcione a reconstrução de novas identidades que conectem os indivíduos a uma História comum, remetendo então para uma identidade mais local ou nacional. É a nossa capacidade de “storytelling” que nos dá a possibilidade de criar uma identidade cultural consistente mas moldável às circunstancias históricas, ao longo de gerações. Assim, o desenvolvimento da marca “Portugal” através da criação e da alimentação de elementos culturais baseados na nossa História – desde episódios coletivos como os Descobrimentos às vivências mais pessoais dos nossos avós – dar-nos-á um maior sentido de identidade, neste mundo sem fronteiras. Evidentemente, outras identidades ou países podem também ser objeto de uma análise idêntica.
Devemos então procurar um equilíbrio entre o global e o local – fazendo de todos nós cidadãos do mundo, com raízes em casa. Porque a partilha de culturas enriquece-nos e abre-nos a mente, mas a conexão às nossas origens traz-nos um sentido de identidade confortável.
Maria Francisca Jorge é estudante de gestão na The London School of Economics and Political Science (LSE).