Cristina Amaro
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A vida

E agora?

E agora?

Por Cristina Amaro

Abri a janela e ouvi o som do campo e do mar.

Era noite. A noite do dia em que começou a primavera. A noite do dia em que as flores começam a abrir. Em que a vida na natureza começa a nascer. Era noite em Lisboa. Na minha varanda. E era também tempo de estar só. Só comigo. Só com o silêncio. Só com a escuridão. Só com o vazio…

O vazio. O vazio tem que se lhe diga. Aquele que antecede o cheio. Aquele que dá lugar ao novo. O que está pronto a começar, a encher. Tal como a escuridão que antecede a luz. Que antecede o dia.

Quero acreditar que fui à varanda nessa noite para respirar o ar que agora é mais puro em Lisboa, mas sei que foi o silêncio que me tocou na alma.

É para isto? É para isto que existes, novo coronavírus? Para nós ouvirmos o som do silêncio?

Escrevia há dias que éramos tão felizes e não sabíamos…será que éramos mesmo? Será que éramos felizes nas correrias sem destino, no contributo para a degradação do planeta, nos dias em que nem sequer víamos as pessoas que amamos por estarmos sempre a trabalhar? Será que éramos felizes por termos uma vida cheia de preocupações e de angústias, de desafios e de exigências, de obrigações e responsabilidades. Será que éramos felizes neste estilo de vida que nos obriga a estar sempre bonitos e de roupas novas, a mostrar que viajamos e que passamos a vida a sorrir? Que temos os amigos mais bonitos e frequentamos os lugares mais fashion, que temos mais que o do lado, que usamos as últimas tendências de tudo e mais um par de botas? Será que éramos mesmo felizes?

Na faculdade li um texto que me marcou para a vida e que agora recuperei mentalmente. Um excerto do livro “Teorias da Comunicação”, de Mauro Wolf. Ter ou Ser…não será disso que se trata? Não estará o universo a pôr as coisas no lugar?! Dá ou não dá que pensar?

Para onde corremos nós? O que estamos a fazer ao planeta que nos dá casa? Para que queremos ter tanta coisa, ou dar aos nossos filhos tantas outras quando afinal eles não querem mais nada por já terem tudo? Onde está o nosso ser? Onde está a nossa essência? Onde está o nosso propósito de vida?

Não será este shut down mundial uma chamada de atenção para todos nós? Para vermos o que andamos a fazer às nossas vidas?

“Era preciso ser assim?”, podem perguntar vocês. E sendo este um texto cheio de interrogações, disponham. Mas eu pergunto: teríamos todos parado de outra forma?

É muito triste tudo o que vemos acontecer por este mundo fora. Eu confesso que me sinto uma privilegiada por estar bem de saúde. Mas teríamos nós capacidade de fazer um verdadeiro reset à nossa vida de outra forma?

Talvez não tivesse de ser assim se tivéssemos ouvido o sussurro do universo. Mas não ouvimos…não tivemos tempo! É na ausência de ruído que ouvimos tudo. Que ouvimos a alma. E por isso repenso: éramos nós verdadeiramente felizes?

Eu posso responder por mim: NÃO. NÃO ERA! Quem me é mais próximo sabe como é exigente a minha vida profissional e, tantas vezes também, a pessoal. Era feliz com a forma como a minha vida estava estruturada? Não. Era feliz com as injustiças? Não. Então, mesmo estando com a cabeça na guilhotina, como tantos outros pequenos (e grandes) empresários, não estará na hora de mudar? Sim, está! E sim…talvez precisasse disto! Talvez precisássemos todos…

E agora?

E agora, como vai ser amanhã? Não sei. Não sabemos. Hoje só sei que ouço os sons do campo e do mar na minha janela a 10 minutos do Marquês de Pombal. E ouço o sim do silêncio porque o mundo parou e o mundo precisava de parar.

Vai ser dramático? Não sei. Só o tempo o dirá! Aqui entre nós, acham que não penso nisso? Eu sou uma jornalista e uma empresária que emprega quase 30 pessoas. Não acham que estou preocupada? Não acham, por tudo o que tenho escrito ao longo destes anos, que me preocupo com as minhas pessoas? Mas de que vale essa preocupação? Resolve o problema de amanhã, que eu não controlo, e que não está na minha mão? Não! Então e agora?

Agora vou deixar-me dormir a ouvir o mar. E o som do latir dos cães, que me faz lembrar a aldeia onde cresci. Nunca em Lisboa ouvia os cães ao longe. Porque nunca em Lisboa as estradas estavam tanto tempo em silêncio. Nunca em Lisboa conseguia estar de porta aberta à noite a ouvir o mar porque somente no inverno se ouvia e o frio convidava a fechar. Mesmo quando apetecia ouvir, o som não era de paz…

E agora?

Agora  vamos aprender a ouvir o universo, a respeitar o planeta, a cuidar dos outros e de nós mesmos. A amar em vez de querer ganhar, a ser em vez de ter, a estar em vez de somente trabalhar, a partilhar em vez de açambarcar . Temos tanto para melhorar…

E agora? Agora vamos viver o agora. Vamos apenas sentir. Fechar os olhos e deixar ir. Respirar fundo para ouvir. Ouvir o que o universo nos sussurra. Ouvir o que a alma nos pede. Ouvir o que o coração sente. Agora vamos apenas encontrar a paz.

P.S.1 …e vamos lutar contra a angústia de não sabermos o dia de amanhã e como vamos manter as nossas empresas quando a economia nos pede para respirar. Temos tudo para aprender. Porque está tudo para fazer num novo mundo que vamos ter de criar. Não. Não vivo na ilusão. Mas sei que está nas nossas mãos.

P.S.2 No dia que este texto é publicado as preocupações são maiores porque as medidas de incentivo do Estado não são suficientes para os empresários não se ressentirem e poderem manter tudo como estava. Não é fácil manter a calma, mas é imprescindível levantar a voz para que a comunicação social não se cale. De vez. E essa é, aos meus olhos, tão importante como a distribuição ou as telecomunicações. Depois da vida, salvem-se as empresas. Salve-se a economia!

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