A Maria João é uma das pessoas da minha vida. Quis partilhar comigo uma mensagem inspiradora. Encontrou na dificuldade uma oportunidade. Como eu tantas vezes digo, é preciso tirarmos o “s” à palavra crise.
E foi por isso que pedi à Ana Gaboleiro que conhecesse a história da Maria João. Sabia que ela se ia apaixonar. E apaixonou. Agora conta-vos a história de alguém que não desistiu. Que investiu. Nos outros, nos “heróis”, no ser humano.
Por Ana Gaboleiro
Quis ligar à Maria João para me inspirar. Quis ouvir-lhe na voz aquilo que não podia ver no olhar.
Sou pessoa de sentir. Gosto de tocar, de experienciar, de ler. Desta vez, não podia ler no olhar da Maria João a forma como falou deste seu projeto. Mas o tom denunciava-o e a partir daí conquistou-me.
As crises são também boas oportunidades para mostrarmos o que há de melhor em cada um de nós. É em tempos desafiantes como os que vivemos que muitas vezes nascem projetos apaixonantes, que mostram ao mundo o melhor lado do ser humano. Maria João Patronilho encontrou na dificuldade uma oportunidade.
Para além de arquiteta, gere a Siso, uma empresa de catering que viu cancelados vários eventos e, como tal, muitos alimentos ficaram sem destino. Em vez de desperdiçar, pôs “mãos à obra”, ou melhor, na massa e começou a preparar refeições para levar aos principais heróis que estão na frente desta batalha contra a Covid-19: os profissionais de saúde.
Começou por ser um pequeno almoço para uma parte da equipa do Hospital Santa Maria. No dia seguinte, repetiu a iniciativa para cerca de 25 pessoas. Mas Maria João percebeu que queria continuar a ajudar. Foi aí que lhe perguntaram se poderia incluir toda a equipa entre médicos, enfermeiros e auxiliares. A partir desse momento sabia que tinha de desafiar os amigos e criou um grupo no Whastapp com a seguinte mensagem:
“Saí de lá, mais uma vez, feliz por ter proporcionado àquela equipa de lutadores um momento de prazer, porém o enfermeiro chefe partilhou as experiências menos boas que têm tido nas suas refeições. Fecharam todos os restaurantes e bares do hospital, apenas a cantina esta aberta. Perante isto, gostaria de conseguir reunir apoio monetário para comprar alimentos e servir uma ou duas refeições por semana. O enfermeiro Tiago Ribeiro, meu contacto na urgência, acabou de me dizer que gostaria de, se possível, ter refeições iguais para os enfermeiros, médicos e assistentes de ação médica, o que totaliza 50 pessoas”
Maria João cozinhava, embalava e entregava. Em 24 horas conseguiu angariar o dinheiro que precisava. “Nestas alturas a solidariedade das pessoas é espetacular”, disse-me ao telefone.
A solidariedade ,muitas vezes, vence em guerras como a que vivemos. As marcas também sabem disso e quiseram juntar-se a esta iniciativa. Foi o caso da Milaneza, essencialmente com massas, a padaria biológica Quinoa e a empresa de Aveiro, Somengil.
Contribuições fundamentais, de particulares e empresas, que fazem com que médicos, enfermeiros e assistentes tenham acesso a uma refeição digna. Uma refeição cozinhada com amor, onde os ingredientes principais são a esperança e a união. Onde não falta amor e sabor.
De forma transparente, partilha com os que fazem doações um calendário que descrimina os menus e o preço a que sai cada refeição.
Vai às compras, cozinha em casa, pede ajuda aos filhos e inspira outras pessoas. “Quando vou entregar a comida, há uma calma aparente. Mas não quero imaginar o stress em que vivem. Os momentos que estão a passar. Se puder continuar a ajudar, é isso que vou fazer”, confessa Maria João Patronilho.
A cozinha de Maria João já não é só um local de bons momentos em família. É uma cozinha de memórias, de amor e solidariedade. É dali que sai muitas vezes o conforto de quem não tem mais “mãos a medir”. De quem pede para que tudo isto acabe depressa. De quem tem no rosto as marcas de um vírus que teima em não dar tréguas. Uma refeição que é mais do que comida. É esperança.