Outras latitudes, outras conversas, outras dimensões.
Quando nos distraímos, os canais internacionais vão trazendo novas das progressões nas carreiras, das greves, das estrofes obscenas em livros escolares, das tertúlias de coletes amarelos e transferências de apresentadoras de televisão.
Quando nos dedicamos a assuntos africanos, a temática muda muito.
Metade da população moçambicana, que atualmente está perto dos 30 milhões, é menor de idade. É natural, porque falamos de uma das taxas de fertilidade mais altas do mundo. Cada mulher tem em média 5,3 filhos. Em média. Atualmente este número é quatro vezes maior do que o de Portugal, onde rondamos os 1,2.
Por esta altura prepara-se o início do ano escolar, para o princípio de fevereiro. Um ano escolar em Moçambique é assunto sério.
Todos os anos entram na primeira classe cerca de 1,3 milhões de crianças. Respirar fundo.
E o ensino primário em Moçambique alberga 10 (dez) vezes mais alunos do que o português, o equivalente a metade da população portuguesa.
Mas um ano escolar não são só estatísticas.
É a distribuição gratuita de manuais escolares que muitos pais afinal têm de comprar no mercado irregular, a escolha do turno em que a criança vai estudar, dependente de quem pode decidir colocá-la à noite, as enormes distâncias percorridas a pé entre casa e escola, escolas com milhares de alunos, turmas de 60 e tal alunos, a compra dos uniformes, dos materiais, as condições dos equipamentos, a qualidade dos professores que fazem de tudo coração… É um mês de ordenado de uma família grande que vai ter de escolher quais as gerações de filhos que ficam a cuidar dos outros e quais vão à escola. Normalmente aposta-se no mais velho, e segue-se sempre a partir daí. Quando a vida corre bem, consegue-se apostar em mais dois ou três dos filhos. E depende, claro, da proveniência. Primeiro os filhos do casal, depois os das outras ou dos outros.
Mercado enorme? Claro, sobretudo para as vendedoras de rebuçados, de 2 a 5 meticais cada shot de calorias, bem ali à porta das escolas, sem pudor nem remorso. E bem precisam, que os quilómetros que normalmente fazem e as brincadeiras e correrias queimam isso tudo num ápice. Retenho imagens múltiplas de miúdos a empurrar carrinhos de arame e latas que se veem um pouco por todo o lado. Estão à mão, e o plástico não dura. Economia circular? Claro, circular é viver…!
Ontem, num distrito remoto em Quelimane, uma anciã foi atirada a um rio, com saco e pedra para afundar, pela população irada, que lhe atribui dotes de feitiçaria e a acusa de ter na véspera dado sumiço a outro ancião, nesse mesmo rio. Seria marido? Rival? A notícia não explica.
Soube isto pela rádio, inventada no século XX, provavelmente logo vou ler a mesma história no Facebook ou no WhatsApp do século XXI.
Twilight zone.
Foi inaugurada a nova ponte Maputo-Katembe; assim ao jeito da de Lisboa-Almada. É a maior ponte suspensa de África, toda chinesa ainda, falta começar a pagar os setecentos e tal milhões de dólares.
É engraçado como de repente a paisagem, a cidade, muda. Há alturas em que tenho de me beliscar para não ver Alcântara do alto desta ponte. Tomara que valha a pena. Já começaram os protestos, de quem queria ter a Ponta do Ouro com seis horas de picada, assim não ficava uma imensa Caparica… Há quem precise de coletes amarelos no Índico…
Ah… ia-me esquecendo… Boas entradas! (aqui é válido desejar para aí até março!)
Fernando Oliveira é administrador delegado da Sumol+Compal Moçambique SA.