Por Fernando Oliveira
Um bom amigo disse-me que estava com ideia de arranjar um rendimento extra, que tinha recebido formação sobre um modelo muito proveitoso. Necessitava de um pequeno investimento, mas tinha muitas vantagens, e muitas mais viriam quando angariasse novos clientes para o projecto. Dito assim, parecia quase um modelo de comissionamento normal, virtuoso.
O projecto consiste num modelo de férias, em que o participante vai pagando pelo direito de vir a usufruir de umas férias de sonho com descontos fantásticos, mas na verdade se angariar um número suficiente de outros interessados, todos pagantes, o participante-angariador passará a receber uma comissão sobre os pagamentos destes e portanto as suas férias de sonho ficarão à borla e terá ainda o tal rendimento extra, de que afinal todos gostamos.
Até tem um nome que inspira sucesso e progresso, é o “marketing multi-nível”. Tão seguro e tão futuro, que o próprio Donald Trump himself esteve envolvido como patrono num esquema destes, é só consultar a wikipedia e lá está.
Tudo parece simples, prático, sério, garantido, até deixar de ser. Até ao último nível, aquele em que já não há mais gente a angariar porque o último angariado fomos nós… aí descobrimos que afinal vamos ficar a pagar para uma quantidade de outros por umas férias que afinal nem queríamos nem teríamos como pagar, e que aquele número de fácil acesso em que era só ligar para desistir… afinal não atende, e o senhor que sabe disso nunca está…
E aquele penúltimo nível… aquele dos que enganaram os últimos, que afinal nem ganham muito, mas enganaram quem tudo perdeu… e por aí acima até ao inteligente que montou o esquema e se passeia de Porsche para mostrar que o esquema é bom para todos.
E afinal o multi-nível do século XXI tem uma estrutura parecida à das pirâmides de há milénios, e funcionam pelas mesmas razões: uma camada enorme suporta todas as outras. E como os faraós descobriram, por muito que quisessem subir ao céu, há sempre limites, sejam os geométricos, sejam os das pedreiras. Há sempre uma última camada, que suporta todas as outras, há sempre pedras a menos para a ambição dos faraós.
Para um esquema de pirâmide (ou Ponzi) funcionar, tem alguns mecanismos simples de identificação para uma pessoa informada, mas tem um motor infalível para a maior parte das pessoas: a cobiça, a ambição.
Todos queremos o melhor, e dada o nosso defeito genético de percebermos o mundo apenas como experiência individual, temos esta tendência para achar que tudo o que nos acontece é por nossa causa. Achamos que “merecemos” ser “ricos”, o que quer que isso signifique para cada um, e que ficarmos com o “nosso” bocado não vai prejudicar ninguém.
Às vezes, quando olho para o que fazemos ao planeta, ou à maneira como nos sentimos em “Segurança” Social, ou como financiamos PPP ou como convictamente lutamos por aqueles “direitos adquiridos”, dá-me ideia de vivermos como ratos de laboratório num gigantesco esquema intrincado de pirâmides que alguém terá inventado.
Esperamos sempre que apareça uma nova camada por baixo de nós para resolver o problema. Problema esse que é, como sempre, a ambição. Entretanto, essa camada de baixo são os nossos filhos, que nos darão netos, numa ascensão que talvez nos leve ao céu…