Há momentos que nos tocam muito, em que subitamente tudo faz sentido. São aqueles pequenos nadas do tamanho do mundo.
Há uns anos, trabalhei com uma marca que me deu muitas alegrias, a Frize. Foi uma experiência incrível, cheia de milhares de dias diferentes, sempre intensos.
Verão de 2003, calor forte, o País a arder.
Tínhamos lançado a Frize Limão, que viria a revelar-se um fenómeno. Estávamos a lançar uma campanha com um ator de stand-up semiconhecido, cara e cabelo de uma marca ainda obscura. No meio de vários anúncios loucos feitos de improvisos, saiu um em que a punchline era “tou que nem posso”. Basicamente, o Tochas fingia estar muito mal, bebia uma Frize e ficava na mesma. Foi uma desconstrução de génio do problema da “água com gás para quem está maldisposto”.
Nesse verão, nas férias, rateava Frize para grandes clientes: “Quer um camião? Podemos disponibilizar umas seis paletes , amanhã veremos…” Loucura total.
Mas o tal momento mágico foi muito íntimo.
Filhos escuteiros, nos Lobitos. Chegada do autocarro que os trazia do acampamento. Todos os pais lá estavam, ansiosos por receber os filhos depois de uma semana de campo.
À minha frente, sai do autocarro um miúdo com a farda composta e mochila às costas, chega ao pé da mãe. Antes do beijinho, a mãe estende-lhe uma Frize Limão fresquinha. O miúdo responde com um suspiro e um sorriso: “Ai, estou que nem posso!” Depois o beijinho.
E depois caí em mim, pela dimensão daquele meu pequeno milagre, antes de me virar para os meus rebentos, que eu tinha recebido sem a “Fizi do pai”, como um deles dizia…
Fui para Moçambique em 2013. Procurei ajudar a desenvolver uma marca “enorme”, a Compal, com mais de 60 anos em Portugal, alguns em várias partes do mundo, muita concorrência local de marcas sul-africanas. Ali os estrangeiros somos nós, os esquisitos, os que fogem à norma. Não sei porquê, sempre gostei disto, gosto dos “underdog”, gosto dos Davids, tanto mais quanto maiores os Golias.
Ao fim de alguns anos de trabalho, já em 2018, fizemos um estudo de mercado, daqueles qualitativos com focus group em que os Consumidores estão numa sala a responder a estímulos, a debater assuntos, a ser filmados, e nós, os “donos da marca” (haverá frase mais irónica do que esta? Como posso ser dono de algo, se tenho um salário pago pelo Consumidor?!), estamos na sala ao lado, a assistir por um monitor.
Às tantas, um estímulo é posto à discussão. Era um texto de marketing em que se dizia: “… com toda a confiança da marca Compal…” Suscitadas as respostas, um Consumidor (gosto sempre de o escrever com letra grande) diz assim: “Há aí uma redundância, uma repetição.” Porquê? “Porque se é Compal é de confiança, então não é preciso dizer outra vez.”
Acho que chorei, apeteceu-me saltar da sala, interromper (estragar, portanto) o grupo, abraçar o Consumidor e explicar-lhe que, de repente, tinha dado razão a alguns anos de carreira de várias pessoas.
Aqui há poucos dias.
Entrou um email através da box “Consumidor”.
Com todo o respeito, um Consumidor veio pedir cotação para 100 pacotes de sumo personalizados (inclui jpeg das inscrições), para um evento matrimonial a ocorrer em março de 2019.
O José vai casar-se e pretende cotação para personalizar os sumos Compal para o seu casamento, daqui a cinco meses.
Haverá maior poesia do que esta? Haverá melhor definição de “love brand”?
Há quem dê como briefing à agência: “Quero tornar a minha marca uma love brand”… Assim como quem diz: “Torne-me rico e feliz, mas veja lá quanto custa…”
Love brand? Saberão sequer o que isso quer dizer?
Saberão que o Amor só funciona quando se dá sem medida nem esperança de retorno? E depois quando corre bem, o que sobra são estes pequenos nadas.
Fernando Oliveira é administrador delegado da Sumol+Compal Moçambique SA.