Sentado num pequeno café na minha rua, dou por mim a pensar no que é que o novo ano me reserva. Sinto alguma ansiedade e tento, por entre os espaços vazios das coisas que tenho à minha frente, captar algum sinal que demonstre exatamente o que quero escutar: que o novo ano será incrível e tudo mudará para melhor, contrariando o ano findado. Todavia, estou a ter imensa dificuldade em observar por entre tais lugares. E isto incomoda-me.
Sempre fui pessoa de sinais. Gosto de sentir que há sempre algo que me aguarda por forma a indicar-me o melhor caminho. Embora aprecie perder-me pela novidade e pela curiosidade, temo a insegurança. Assusto-me facilmente quando me vejo ausente de sentido e defendo a minha integridade assim que uma coisa é colocada fora do seu devido lugar.
Sou impaciente, mas comedido.
Curioso, mas ponderado.
Expansivo, mas tímido.
Decidido, mas incoerente.
Feliz, mas insatisfeito.
Há momentos em que penso que sou tudo e nada ao mesmo tempo. Que sou mel e sal em simultâneo. Uma ostra fechada sobre si mesma protegendo a sua pérola. E que a dignidade que existe entre uma coisa e outra representa como tenho vivido ultimamente.
Afinal, talvez ainda consiga ver entre os espaços desocupados. Apenas terei de desenvolver a capacidade de mudar de olhos e substituir os que tenho por uns de vidro. Desta forma, tudo se espelhará como a imagem de um corpo humano na água límpida de um rio.
Sei que não estou sozinho neste dilema. Provavelmente, já passaste (ou estás a passar) por isto. Por alturas em que te sentes preso num poço sem fundo e em que, aparentemente, não há solução.
Entendo-te.
Estou solidário contigo, caro leitor.
Mas também percebo que os anos podem avançar sem nós mudarmos.
Que podemos até viver longa e subtilmente sem que a mudança faça parte da nossa vida.
Há uma certa banalidade na criação da mudança.
Pois ora queremos, ora não.
Ora estamos dispostos, ora nos encostamos ao sofá do quotidiano a ver uma série.
A mudança tem um valor de investimento que é importante aplicarmos. E por mais que tentemos acertar na transformação plena e vitalícia, é na simplicidade e na dinâmica de “sobe e desce” da vida que se encontra o nosso bem mais precioso: o pulsar do coração.
A alteração de ano é somente mais um marco na existência. O tempo não tem idade, não depende de cronologias pré-concebidas, não precisa de nós nem de calendários para se fazer valer. Talvez seja por isto que a vida signifique tanto. Porque, independentemente dos anos que passaram, há sempre algo que pode ser feito. E mesmo que seja realizado fora de tempo, é sempre melhor fazer do que não.
Trago-te esta reflexão para que sintas que ainda há tempo, mesmo que sejam apenas alguns segundos, para te ergueres e sentires o delicado toque da vida.
Feliz Ano!