Muitas foram as noites, na adolescência, em que me enfiava na cama a escrever. Nunca sabendo ao que ia, entregava-me por completo ao que saía. Permitia-me ser vulnerável, estar disponível e nunca equacionar as palavras que derramava no caderno. Tantas vezes me encontrei através da escrita, como noutras me perdi. Escrever significava deixar a vida exercer o seu efeito sobre mim. E isso tranquilizava-me.
Acredito que todos nós temos uma mensagem que acrescenta valor à vida dos outros. Somos dotados de perceção e de possibilidade de experiência, o que faz com que sejamos únicos. Somos seres desiguais que procuram se cruzar a qualquer momento. A escrita é apenas o registo desses encontros e desencontros.
Todos escrevemos. Quer por vontade própria, quer não, a escrita, tal como o coração, funciona independentemente da nossa vontade. À escrita que acontece dentro de cada de nós chamo de escrita invisível. Aquela que não se vê e sente, mas que está a ser desempenhada a todo o tempo da nossa existência.
Há alturas em que precisamos de evidências do que pensamos e sentimos. Aquelas ocasiões em que manifestar o que vai dentro nos é exigido. Sejam sonhos, medos, desafios ou desabafos, a escrita é um espaço íntimo de revelação e uma forma grandiosa de conseguirmos olhar de frente os resultados que estamos a ter.
Carl Sagan tem uma frase que reflete, para mim, um dos maiores desígnios da escrita: “A escrita talvez seja a maior das invenções humanas, ligando pessoas, cidadãos de épocas distantes, que nunca se conheceram. Livros rompem correntes do tempo, prova de que os humanos podem fazer magia”.
Num ato de escrita podemos ser quem quisermos, fazermos o que bem entendermos e estar onde quisermos. Sem limites ou pontos de dúvida. Simplesmente ser, estar presente e usufruir da viagem.
Escrever é ter a oportunidade de redefinir e criar a nossa própria história.
No meu trabalho enquanto mentor de autor, passo muito a certeza de que nos devemos entregar à escrita da mesma maneira que nos entregamos a nós mesmos. Não porque a escrita compete com a vida, mas porque a escrita expressa a vida a acontecer em nós.
Tudo o que vivenciamos proporciona-nos o modo mais sublime de escrita, a escrita invisível. A escrita que não mente e não nos discrimina.
Muitas vezes confundimos escrita com registo. A escrita acontece dentro, o registo fora. Portanto, somos escritores natos que, mesmo sem qualquer tipo de expectativa, têm o poder de transformar sentimentos em palavras e palavras em ações.
Se ambiciona libertar-se de algo, escreva.
Se necessita encontrar soluções para um desafio, escreva.
Se deseja concretizar um desejo, escreva.
Se pretende conhecer-se por dentro, escreva.
Coloque a sua voz no mundo através da escrita.
Não tem sequer de partilhar o que escreveu. O primeiro processo de escrita é aquele em que escrevemos apenas para nós. Para nos observarmos e, quem sabe, para permitirmos que algo de extraordinário aconteça na nossa vida.
Hoje em dia ando sempre com um caderno e uma caneta. Gosto de estar preparado para entrar em ação através da escrita. Sugiro que faça o mesmo. Que se renda a um dos maiores processos de desenvolvimento do carácter humano.
Quem sabe se, um destes dias, estarei a ler o seu livro.
Desejo-lhe momentos inspiradores,
César Ferreira