Cristina Amaro
Está a ler

340

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As pessoas

340

A empresa que criei em 2003 nasceu apenas com a área de conteúdos editoriais. Mas felizmente, mesmo em tempos de crise, ela foi crescendo. Duas outras áreas juntaram-se e passámos a contar, na I´M in Motion, com produção de conteúdos especializados e com equipas próprias também para conteúdos para marcas e para empresas. Convidei a nossa coordenadora de corporate contents, Raquel Ramos, a partilhar uma história que a tocasse. Foi buscar uma que seguramente nunca vai esquecer…e a I´M in Motion também não. Só posso estar orgulhosa. Cristina Amaro.

Broooom.

Em menos de um segundo o chão inclinou-se a 45 graus. Os meus pés mal tinham tocado o chão, acabada de acordar, e o corpo surpreendido foi sacudido até ao outro lado da camarata. Os papéis, meticulosamente organizados de véspera com as cenas previstas para aquele dia, jaziam agora pelo chão num caos que só combinava com o meu. Talvez por isso, e contra o que me seria habitual, ri-me sozinha daquele despreparo todo.

O mar, chamando a si o poder da tempestade Felix, tinha abdicado de subtiliezas na nossa terceira manhã a bordo da fragata Dom Francisco de Almeida, o navio1 de 120 metros da Marinha Portuguesa, batizada em honra do 1º vice-rei da Índia.

A nossa equipa acompanhava a tripulação no INSTREX, um exercício naval para cenários de crise e, claro, a ocasião perfeita para filmar (e viver!) a vida a bordo com um timbre mais verídico e espetacular.

O caos, como eu dizia, era só nosso. Cá fora, no mundo da Francisco de Almeida, as bordadas2 revezavam-se, os Oficiais andavam quase sempre a direito contra a gravidade e na copa ouvia-se às vezes chover loiça sem se seguir um único ai. O Lima, que era Taifa Despenseiro3, ria-se das nossas caras de enjoo marítimo e assegurava, “troco-lhe esse comprimido por um de açúcar e vai ver que lhe faz o mesmo. Está tudo aqui”, e apontava o indicador ao crânio. Havia, desconfiei, uma atmosfera de satisfação em torno do nosso esforço de adaptação. Bem-intencionada: era só a confirmação de que aquela vida não é para todos. E não é mesmo.

Bem ao largo da costa, demos por nós quase sempre sem rede – nos vários sentidos que podem ler-se na expressão. Quando quase perdemos o drone em alto mar, incapaz de regressar à casa de partida (que agora era móvel); ou quando quisemos deixar uma Go-Pro na Goalkeeper4, com a ajuda do incansável Tenente Queiroz, o nosso Macgyver pessoal a bordo; ou ainda quando o nosso cansaço batia de frente com o sorriso de orelha a orelha do Comandante Serafim. “340!”, dizia entusiasticamente, aludindo à velocidade (absolutamente impossível para uma fragata) que precisávamos de adotar para cumprir em quatro dias as nossas quase 40 cenas.

Vimos passar os F16, que nos deixaram em suspenso até ao último momento; participámos na competição saudável com a Corte Real (outra fragata envolvida no exercício) e recebemos bolos secos à socapa de passagem pela cozinha. Também recordámos o alfabeto fonético da NATO (Alfa, Bravo, Charlie, Delta…), o significado dos avisos sonoros (que entretanto esqueci vergonhosamente) e como lidar com um jantar que é volante por alta recreação. Sempre algo a aprender com cada situação, com cada pessoa.

Como atesta o diploma que me olha agora na secretária, assinado pelo Comandante João Monteiro da Silva, a missão foi cumprida, todas as suas 84 horas.

A 340, meus amigos, a 340.

Este relato foi escrito com a intenção escancarada de exibir algum do vocabulário adquirido ao longo da rodagem da campanha de recrutamento da Marinha Portuguesa.

1Navio – é sempre navio, nunca digam barco;

2Bordadas – no fundo, turnos;

3Taifa Despenseiro – https://descobreoteupercurso.marinha.pt/o-recruta/

4Goalkeeper – Thales Nederland Goalkeeper SGE-30 (Calibre: 30mm/Alcance: 3.5Km). Canhão grande, para leigos.

Aqui fica o resultado final:

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